Retirado do blog do Roldão Arruda
O juiz Guilherme Madeira Dezem, da 2.ª Vara de Registros Públicos,
em São Paulo, determinou a retificação, no atestado de óbito, do local e
da causa da morte de um militante de esquerda assassinado durante a
ditadura militar. Trata-se de uma decisão inédita, segundo organizações
de direitos humanos.
No documento retificado, onde se lê que o economista João Batista
Franco Drumond morreu no dia 16 de dezembro de 1976 na esquina da
Avenida Nove de Julho com a a Rua Paim, passará a constar: “Falecido no
dia 16 de dezembro nas dependências do DOI-Codi do 2.º Exército, em São
Paulo”. Em seguida, onde se anotou que a causa da morte foi “traumatismo
craniano encefálico”, ficará escrito que decorreu de “torturas
físicas”.
A sentença, segundo o texto do juiz, segue orientação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Ele cita particularmente a
determinação - de 2010 - para que o Brasil adote medidas destinadas a
cumprir o direito que as famílias de mortos e desaparecidos têm à
memória e à verdade.
Trata-se de uma decisão de primeira instância, que ainda pode ser
modificada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O pedido de mudança
foi feito pela viúva de Drumond, a senhora Maria Ester, de 65 anos.
Segundo seu advogado, Egmar José de Oliveira, ela espera por isso desde a
morte do marido, 35 anos atrás. “Faz parte de um longo esforço para
restituir-lhea dignidade”, conta ele.
Tortura e morte
Drumond tinha 34 anos e era militante do PC do B. Foi preso no dia 15
de dezembro de 1976, no episódio que ficou conhecido como massacre da
Lapa – uma operação que, sob o patrocínio do 2.º Exército, resultou no
desmantelamento da cúpula do partido. Conduzido para as dependências do
DOI-Codi, ele enfrentou seguidas sessões de tortura, segundo depoimentos
de outros presos políticos, até a sua morte, no dia seguinte.
Quando o pai de Drumond chegou para identificar o corpo e
providenciar o funeral, as autoridades lhe informaram que o filho
morrera atropelado, durante uma tentativa de fuga. “Ele recebeu ordem,
por escrito, para que isso constasse no atestado de óbito”, conta o
advogado.
Sentindo-se ameaçadas, a mulher e as duas filhas de Drumond mudaram
para a França – onde moram até hoje. Elas já tinham conseguido, junto à
Comissão de Mortos e Desaparecidos, o reconhecimento de que o marido
morrera quando se encontrava sob a custódia das autoridades militares.
Mas a senhora Maria Ester queria ir além, queria o reconhecimento
final, na certidão de óbito do marido. Quando soube da decisão do juiz,
assinada no final da semana passada e divulgada na segunda-feira, ela
comemorou e chamou-o de corajoso.
Jurisprudência
“Mesmo sendo uma decisão de primeira instância, é altamente
significativa. Trata-se de uma reação inédita do Judiciário, que sempre
foi omisso no trato das questões da ditadura militar”, diz o advogado,
que também é vice-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos. “É
uma a peça a mais no esforço que se faz no País para se restabelecer a
memória e a verdade. Tomara que seja o início de uma jurisprudência que
ajude as famílias a restabelecerem plenamente os fatos ocorridos durante
a ditadura.”
O ex-preso político Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos, também elogiou a sentença. “Ela confirma as denúncias
de morte sob tortura. É mais um passo para que o Brasil possa conhecer a
verdade daquele período”, afirma.
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