Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a reserva de vagas em universidades públicas com base no sistema de cotas raciais. O julgamento foi concluído com um placar de 10 a 0.
Com ressalvas, todos os magistrados da corte acompanharam o parecer do relator
do processo, o ministro Ricardo Lewandowski. A decisão foi uma resposta à ação ajuizada
pelo Democratas (DEM). O partido alegou que o sistema de cotas viola preceitos fundamentais
fixados pela Constituição de 1988, como a dignidade da pessoa humana, o preconceito
de cor e a discriminação.
Na sua argumentação, Lewandowski citou o exemplo do presidente norte-americano,
Barack Obama — ele é fruto do sistema de cotas. Defendeu o sistema como necessário
para corrigir distorções culturais históricas presentes no Brasil.
Como votou cada ministro e os argumentos:
Ayres Britto — a favor das cotas
"A Constituição Federal, no seu preâmbulo, é um sonoro 'não' ao preconceito".
Marco Aurélio — a favor das cotas
"A meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma
velada de aristocracia".
"Uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode ser tida
como democrática"
Gilmar Mendes — a favor das cotas
Acompanhou o relator no seu voto, porém fez ressalvas sobre o sistema de cotas
da Universidade de Brasília (UnB).
"Não se pode negar a importância de ações que visem a combater essa crônica
desigualdade".
Cesar Peluso — a favor das cotas
"Voto com o relator e concordo que a cota racial é adequada, necessária,
tem peso suficiente para justificar as restrições que traz a certos direitos de
outras etnias. Mas é um experimento que o Estado brasileiro está fazendo e que pode
ser controlado e aperfeiçoado".
Joaquim Barbosa — a favor das cotas
Fez uma manifestação rápida a favor das cotas, como já havia se manifestado
em outras ocasiões, inclusive no início do julgamento, ontem — ele tem um livro
e artigos a favor do tema.
"O voto do relator esgotou o assunto e está em sintonia com o que há
de mais moderno a respeito das políticas de ações afirmativas".
"Essas medidas (cotas) visam combater não somente as manifestações flagrantes
de discriminação, mas a discriminação de fato".
"É natural que as ações afirmativas sofram um influxo de forças contrapostas
e atraiam resistência da parte daqueles que historicamente se beneficiam da discriminação
de que são vítimas os grupos minoritários".
Cármem Lúcia — a favor das cotas
"As ações afirmativas não são as melhores opções. A melhor opção é ter
uma sociedade na qual todo mundo seja livre para ser o que quiser. Isso é uma etapa,
um processo, uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente."
Rosa Maria Weber: favorável às cotas em universidades
"Se os negros não chegam à universidade por óbvio não compartilham com
igualdade de condições das mesmas chances dos brancos. Se a quantidade de brancos
e negros fosse equilibrada, poderia se dizer que o fator cor não é relevante. Não
parece razoável a reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico."
"A pobreza tem cor no Brasil. A raça ainda torna parcela importante da
população brasileira invisível e segregada".
Luiz Fux: a favor das cotas
"A opressão racial dos anos da sociedade escravocrata brasileira deixou
cicatrizes que se refletem na diferenciação dos afrodescendentes, especialmente
na escolaridade. Os negros deixaram de ser escravos de um senhor para serem escravos
de um sistema".
"A construção de uma sociedade justa e solidária impõe a toda coletividade
a reparação dos danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados adimplindo
obrigações jurídicas".
Ricardo Lewandowski (relator): a favor das cotas.
"Aqueles que hoje são discriminados têm potencial enorme de contribuir
para que nossa sociedade avance culturalmente".
"Se a raça foi utilizada para construir hierarquias, deverá também ser
usada para desconstruí-las".
O julgamento
Três ações foram julgadas sobre tema. Em uma delas, ajuizada pelo Democratas
(DEM), o partido argumenta que estão sendo violados diversos preceitos fundamentais
fixados pela Constituição de 1988, como a dignidade da pessoa humana, o preconceito
de cor e a discriminação, afetando o próprio combate ao racismo. O relator do caso
é o ministro Ricardo Lewandowski, que abriu a sessão com a leitura do relatório.
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pelo
DEM em 2009 contra a Universidade de Brasília (UnB), o partido alegou ainda que
vão ocorrer "danos irreparáveis se a matrícula se basear em cotas raciais,
a partir de critérios dissimulados, inconstitucionais e pretensiosos". Para
o partido, fica caracterizada "ofensa aos estudantes preteridos" e, por
isso, ele pede resposta urgente do Supremo.
A UnB foi a primeira universidade federal a instituir o sistema de cotas,
em junho de 2004. Atos administrativos e normativos determinaram a reserva de cotas
de 20% do total das vagas oferecidas pela instituição a candidatos negros (entre
pretos e pardos).
A ação afirmativa faz parte do Plano de Metas para Integração Social, Étnica
e Racial da UnB e foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. No
primeiro vestibular, o sistema de cotas foi responsável por 18,6% dos candidatos.
A eles, foram destinados 20% do total de vagas de cada curso oferecido.
A comissão que implementou as cotas para negros também foi responsável pelo
convênio entre a UnB e a Fundação Nacional do Índio (Funai), firmado em 12 de março
de 2004. Há pelo menos outras três ações sobre o mesmo tema no STF. A diversidade
de opiniões sobre o sistema de cotas no ensino motivou uma série de audiências públicas
no STF em março de 2010. Durante três dias, cerca de 40 especialistas da área defenderam
os pontos positivos e negativos da ação afirmativa.
O ministro Lewandowski acolheu pedidos de participação no julgamento, na condição
de amigos da Corte (amici curiae), da Defensoria Pública da União, Fundação Nacional
do Índio (Funai), do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), Movimento
Pardo-Mestiço Brasileiro (MPMB), da Fundação Cultural Palmares, do Movimento Negro
Unificado (MNU) e da Educação e Cidadania de Afrodescentes e Carentes (Educafro).
A outra ação é um recurso extraordinário movido por um estudante gaúcho contra
a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O aluno questiona o fato de
ter sido eliminado do vestibular mesmo tento tirado notas mais altas que os cotistas
aprovados.
O terceiro processo, que tem como relator o presidente da Suprema Corte, é
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Confederação Nacional
dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen).
A entidade questiona que as regras do Prouni, ao reservar bolsas a alunos
de escolas públicas ou que estudaram em escolas particulares com bolsa, seriam inconstitucionais
e discriminatórias.
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